top of page

Design autoral, branding e construção de sentido

  • Foto do escritor: Néktar Design
    Néktar Design
  • há 6 dias
  • 5 min de leitura

Atualizado: há 4 dias

O design de produto, historicamente vinculado à lógica industrial, foi concebido para resolver problemas funcionais, otimizar processos e atender à demanda de consumo em massa. Entretanto, o design autoral tenciona esse modelo ao deslocar o foco do objeto isolado para a construção de produtos com narrativas, que podem sintetizar uma visão de mundo, um repertório estético ou um posicionamento ético.


Mais do que nomear ou identificar produtos, a marca — entendida como sistema simbólico — confere sentido e valor cultural aos objetos criados. Como defende Pierre Bourdieu (1996), os bens simbólicos carregam capital cultural e social, e não apenas valor econômico. É nesse contexto que surgem exemplos paradigmáticos como Philippe Starck, Alessi e os Irmãos Campana, que criam não apenas objetos, mas universos autorais reconhecíveis, capazes de endossar e legitimar os produtos que assinam.


O design autoral contemporâneo consagra a marca como um vetor de sentido que transcende o produto individual. Como argumenta Naomi Klein (1999) em No Logo, a marca contemporânea não é apenas um distintivo comercial, mas uma entidade cultural capaz de criar estilos de vida e comunidades de valor. No design autoral, essa ideia é levada ao extremo: cada produto é parte de um sistema narrativo maior, validado pelo reconhecimento e pela confiança no autor. 


O design autoral é o que permite que Philippe Starck lance uma escova de dentes ou um hotel mantendo sua marca pessoal como selo de originalidade, inovação e provocação, independentemente da natureza do produto. A marca torna-se, portanto, uma estrutura que dá coerência, continuidade e legitimidade à diversidade criativa.



A centralidade do repertório como elemento estratégico


Esse poder da marca nasce do repertório singular que cada designer ou estúdio constrói ao longo do tempo. Como destaca Donald Schön (1983) na sua teoria do praticante reflexivo, o designer trabalha a partir de um repertório internalizado de formas, técnicas e valores, que orientam suas decisões criativas.

Esse repertório vai além da estética; é uma estrutura simbólica que confere densidade e profundidade à marca, tornando-a reconhecível e distinta. No branding autoral, o repertório transforma a coleção de produtos em um universo de sentido, alimentando a produção de valor cultural e mercadológico.


As marcas autorais articulam:

  • Estética própria — reconhecível e identitária;

  • Narrativa — histórias, valores e visões incorporadas ao design;

  • Capital simbólico — como propõe Bourdieu, a marca se converte em promessa de qualidade e autenticidade;

  • Valor cultural e mercadológico — objetos que transcendem a função para se tornarem ícones.


Essa construção sistêmica é também analisada por Grant McCracken (2005), que entende as marcas como "containers culturais" capazes de transportar significados e valores através do mercado. No design autoral, essa função simbólica da marca é ainda mais acentuada.


O branding não se limita à comunicação, mas é parte constitutiva da produção de sentido. 


No design autoral, o branding cumpre exatamente essa função: transforma objetos em símbolos culturais e ativos intangíveis. Produtos autorais deixam de ser apenas itens funcionais ou estéticos e se tornam veículos de identificação e pertencimento.


Ao adquirir uma cadeira dos Irmãos Campana, o consumidor não está apenas comprando um móvel, mas acessando uma narrativa sobre cultura brasileira, sustentabilidade e reinvenção estética. Isso amplia o valor percebido do produto e reforça o ciclo virtuoso onde a produção de sentido alimenta a geração de valor econômico, simbólico e cultural.




A indústria como plataforma: tensões e articulações


Apesar do caráter independente do design autoral, a indústria segue como uma plataforma estratégica de difusão e ampliação de escala. O ponto de inflexão está na inversão do poder: o designer não mais atua apenas como executor de briefs industriais, mas como criador de linguagem e marca, detentor de autonomia criativa.


Como aponta Andrea Branzi (1984), na era pós-industrial o design se emancipa da função puramente técnica e passa a ser uma operação cultural. É nesse contexto que colaborações como as da Alessi, que integra diversas assinaturas autorais sob uma curadoria rigorosa, se tornam modelos exemplares de articulação entre indústria e design autoral.



O branding, aqui, garante a coerência simbólica e a integridade narrativa, mesmo em ambientes de produção industrial.


O design autoral também se coloca na vanguarda de práticas sustentáveis, promovendo uma mudança nos ritmos de produção e consumo. Como argumenta Ezio Manzini (2015) em Design, When Everybody Designs, o design contemporâneo deve favorecer processos mais lentos, locais e colaborativos, alinhados com uma visão de sustentabilidade sistêmica.


O design autoral abre espaço para a investigação de novos materiais e matérias-primas, transformando-se em um laboratório experimental que:


  • Explora materiais biodegradáveis ou reciclados; 

  • Cria processos produtivos menos poluentes; 

  • Inspira a indústria a adotar práticas mais sustentáveis; 

  • Estabelece novos parâmetros estéticos e funcionais.


Essa investigação, além de reduzir o impacto ambiental, transforma a própria indústria, introduzindo soluções inovadoras que reverberam em larga escala. Designers como Fernando e Humberto Campana são exemplos paradigmáticos desse movimento, utilizando materiais reciclados e técnicas artesanais para repensar o valor e a estética do mobiliário contemporâneo.



Plágio e inspiração: onde está a linha ética?


No universo do design autoral, a questão do plágio se torna central, dada a importância do repertório como ativo de marca. Como observa Lev Manovich (2001), vivemos na era da remixabilidade, onde criar é, inevitavelmente, dialogar com o que já foi criado. Contudo, existe uma linha ética fundamental entre inspiração e cópia.


Inspirar-se em uma estética, conceito ou linguagem é parte legítima e necessária do processo criativo. Como defende Jorge Frascara (2004), o design sempre opera dentro de redes de referências culturais. No entanto, o plágio ocorre quando há apropriação direta, apagamento da autoria original e ausência de transformação significativa.


O plágio causa ainda mais danos no contexto do mercado de produtos massificados, onde grandes marcas absorvem ideias de designers independentes e as reproduzem com maior poder de distribuição e escala, muitas vezes sem o devido reconhecimento.


Mas ele também ocorre entre designers independentes, quando há excessiva homogeneização estética ou quando repertórios alheios são incorporados sem atribuição. A discussão ética gira, assim, em torno de três eixos:


Intenção — houve uma busca genuína por transformação? 

Contexto — a apropriação respeita ou apaga a autoria original? 

Transparência — há atribuição de crédito e reconhecimento?


O branding funciona, nesse cenário, como uma estratégia de proteção: marcas autorais fortes reforçam a identidade do criador e dificultam a apropriação indevida. Além disso, fortalecem a percepção pública da autoria como um ativo cultural e econômico.


A marca não é um acessório, mas o núcleo estratégico da prática criativa. Ela sintetiza repertório, narrativa, valores e visão estética, atuando como um sistema vivo de produção de sentido e de geração de valor.

Como propõe Stuart Hall (1997), as práticas culturais — e o design é uma delas — são formas de construção de identidade e de mundo. Assim, o design autoral aponta para um futuro em que a marca não é apenas um selo de procedência, mas um instrumento de transformação cultural, material e ética.


Ficou curioso com o assunto? Saiba que o podcast Pó de Pólen possui um episódio completo sobre design autoral. Confere lá no Spotify.

 
 
 

Comments


NEKTAR_20Anos_PoDePolen_Logo_Horizontal Amarelo-02.png
bottom of page