O Futuro é Sênior e Feminino
- Néktar Design
- 27 de mar.
- 4 min de leitura
Atualizado: 28 de mar.
Em setembro de 2024, ao celebrarmos os 20 anos da Néktar, mergulhamos em uma pesquisa para elencar 20 pistas para marcas do futuro. Uma das pistas que revelamos, foi chamada de “feminino sênior”, onde apontamos uma inspiração para marcas no arquétipo da figura “cuidadora”. O cuidado, que é atribuído a figura desse feminino sênior no papel de avós, tias, sogras, mulheres sábias que dirigem famílias, que organizam os eventos, que cuidam da casa, do carinho, do aconchego, é um dos valores que acreditamos que o universo das marcas deve se apropriar para pensar em inovações nos próximos 20 anos. Nesse mês da mulher, resolvemos seguir nos aprofundando nessa pista e trazemos algumas reflexões por aqui.

Estamos vivendo o surgimento de um novo arquétipo social: o da mulher mais velha como potência de transformação. Em vez de serem invisibilizadas após certa idade, as mulheres estão redescobrindo sua força e se posicionando no centro das mudanças culturais, políticas e simbólicas. Em um mundo que envelhece rapidamente, com mulheres vivendo mais e mais conscientes do seu papel, o futuro é sênior — e é feminino.
Segundo dados da ONU, a população mundial com mais de 60 anos deve dobrar até 2050, ultrapassando os 2 bilhões de pessoas. E dentro desse grupo, as mulheres são maioria absoluta. Isso exige que a sociedade repense seus valores e atualize sua imaginação social. O que antes era visto como decadência hoje tem se mostrado como um período de reinvenção e força.
Como afirma Jane Fonda, em um de seus discursos mais potentes sobre envelhecimento:
“Todos os mitos e equívocos sobre mulheres de meia-idade nesta sociedade estão em rota de colisão com novas realidades. Algumas delas talvez já sejam familiares para você:
Há mais de nós do que nunca antes. Estamos entrando nos anos do meio fisicamente mais fortes do que nunca. E tudo isso está acontecendo ao mesmo tempo em que mulheres de todas as idades estão reexaminando seu lugar na sociedade e descobrindo os reais potenciais que existem para elas.”
Essa colisão entre mitos e realidade está se expressando não apenas em discursos, mas em presenças — como a da atriz e escritora Fernanda Torres, que, aos 58 anos, vive uma fase madura de sua carreira, combinando profundidade, ironia e potência criativa. Fernanda representa uma mulher que não suaviza sua idade para agradar ninguém, e por isso mesmo se tornou ainda mais relevante no cenário cultural brasileiro. Ao ocupar com naturalidade esse lugar, ela nos oferece um espelho possível: o da mulher madura que não se apaga, mas que brilha com liberdade, autonomia e inteligência.
No cinema recente, essa virada simbólica também aparece de forma provocadora. No filme "A Substância", da diretora Coralie Fargeat, o envelhecimento feminino é explorado como campo de violência, mas também como campo de resistência. O filme denuncia a lógica perversa que associa o valor da mulher à sua juventude e aparência. O filme é uma ode ao direito feminino inalienável de existir. Seja aos vinte ou aos cinquenta, nós, mulheres, ainda estaremos por aqui. Essa presença teima em existir mesmo quando o sistema insiste em apagá-la. O cerne da discussão está na invisibilização feminina com o envelhecimento. A problemática não reside no desejo de sermos amadas, mas no fato de que, em uma sociedade que nos coisifica, não ser amada e sexualmente desejada pode significar a aniquilação simbólica. Esse é o esvaziamento da “competência da existência” — expressão que captura o abandono de um lugar social legítimo à medida que as marcas do tempo se tornam visíveis no corpo da mulher.
Contudo, esse processo também pode ser lido de forma simbólica e ancestral. No livro Vozes Ancestrais Femininas, Ana Luisa Teixeira de Menezes afirma que a psique feminina carrega, em camadas profundas, as marcas de uma sabedoria ancestral coletiva. A autora propõe que esse inconsciente é povoado por vozes de curandeiras, matriarcas, xamãs, anciãs — figuras que, historicamente, foram fontes de poder e cura nas comunidades. Ao nos reconectarmos com essas vozes, restauramos a autoestima, a força e a dignidade do envelhecer.
“Cada símbolo ou imagem associada ao feminino ancestral é um convite para que a mulher contemporânea se lembre de quem é.” Nesse sentido, envelhecer é também reencarnar essa memória coletiva, ativando uma linhagem esquecida de sabedoria feminina — não como um passado perdido, mas como uma força que pulsa dentro de cada mulher.
A velhice, portanto, não é um fim — é uma nova iniciação. Como na adolescência, na velhice acontecem metamorfoses profundas, transformações físicas, simbólicas e emocionais. Se na juventude a mulher é moldada para agradar, na maturidade ela pode, finalmente, viver para si — e para as outras. Esse retorno à própria essência é também um retorno à ancestralidade, ao poder que nunca deixou de existir, apenas foi silenciado.
Como aponta a jornalista e pesquisadora Angela Saini, após visitar o sítio arqueológico de Çatalhöyük, onde foi encontrada uma estatueta milenar de uma mulher idosa sentada com imponência:
“Talvez, naquela sociedade, o poder não estivesse no sexo masculino ou na juventude, mas na idade. A velhice era um trono.”
É esse trono simbólico que muitas mulheres contemporâneas estão voltando a ocupar.
Hoje, mulheres sêniores editam jornais, dirigem empresas, coordenam universidades, escrevem, pintam, influenciam políticas públicas. E mais do que isso: inspiram outras mulheres a envelhecerem sem medo.
A escritora e ativista Gloria Steinem, ao completar 60 anos, declarou:
“Não quero que me chamem de jovem para me elogiar. Quero que a idade seja reconhecida como parte da minha beleza.”
Esse reconhecimento é também coletivo: uma cultura que valoriza suas mulheres mais velhas é uma cultura que valoriza a sabedoria, o tempo e a transformação.
O futuro sênior e feminino é aquele em que mulheres possam envelhecer com orgulho, com voz, com espaço e com influência. Um futuro onde a sabedoria seja uma força coletiva.
As marcas que vão se inspirar nesse arquétipo irão acompanhar esse movimento, se tornando cada vez mais “cuidadoras”, alinhadas com atributos como sabedoria, equilíbrio, e com perfil agregador.
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