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Design & Cultura: A Urgência de Novos Olhares para a Identidade Brasileira no Design

Foto do escritor: Néktar DesignNéktar Design

O design sempre foi um reflexo das culturas que o produzem. No Brasil, um país de dimensões continentais e múltiplas identidades, a relação entre design e cultura tem sido historicamente permeada por tensões entre a valorização de referências locais e a influência de estéticas globais. A Bienal Brasileira de Design, que aconteceu em dezembro de 2024, em Aracaju,  trouxe essa questão à tona ao propor um debate sobre a necessidade de novos olhares para as diversas culturas e identidades brasileiras na prática do design.







Esta edição da Bienal também marcou um avanço significativo ao abrir espaço para o design feito por pessoas negras, destacando tanto sua contribuição histórica, quanto sua relevância contemporânea. A produção de designers negros no Brasil, que por muito tempo foi invisibilizada, vem ganhando cada vez mais reconhecimento, evidenciando novas linguagens e narrativas visuais que dialogam com identidade, ancestralidade e inovação.

Queremos aqui aprofundar essa discussão, explorando como a valorização da diversidade cultural pode enriquecer o design brasileiro e, consequentemente, disseminar e valorizar os diversos "brasis” que existem dentro do Brasil.



Minimalismo: ainda vemos por aqui!


Nos últimos anos, o minimalismo se consolidou como a estética predominante no design gráfico global e segue permeando a identidade visual de grandes marcas globais. Baseado nos princípios modernistas da Bauhaus e da Escola de Ulm, esse estilo preza pela clareza visual, pelo uso de poucos elementos gráficos e pela funcionalidade objetiva. No universo do branding, da tipografia e da identidade visual, essa abordagem se traduz em logotipos simplificados, paletas de cores neutras e layouts limpos, muitas vezes resultando em uma comunicação visual homogênea e desterritorializada.

No entanto, essa hegemonia levanta um questionamento fundamental: até que ponto essa neutralização estética contribui para o apagamento das expressões visuais locais? No Brasil, um país cuja identidade visual é marcada pela pluralidade, pela cor e pela riqueza gráfica de sua cultura popular, a adoção generalizada do minimalismo pode representar uma perda de autenticidade no design gráfico. Se o objetivo da comunicação visual é criar conexões simbólicas e emocionais, um design que ignora sua territorialidade pode se tornar genérico e sem identidade.


Guy Julier (2013) argumenta que a globalização do design resultou em uma neutralização das particularidades locais, impulsionada por um ideal de “universalidade” que muitas vezes reflete uma perspectiva eurocentrada. Esse fenômeno é evidente no branding e na comunicação visual das marcas brasileiras, que frequentemente adotam um design “internacionalizado”, desconsiderando expressões gráficas locais.


Rafael Cardoso (2012) ressalta que o design, enquanto ferramenta de construção simbólica, não pode se desvincular do seu contexto cultural. No entanto, a predominância do minimalismo muitas vezes leva a um esvaziamento semântico, onde a identidade visual se torna genérica e desterritorializada. Essa hegemonia estética impacta diretamente a percepção de marca, pois impede que elementos culturais específicos sejam incorporados ao design de maneira autêntica.

Aloisio Magalhães, um dos pioneiros e expoente do design no Brasil, sempre defendeu a criação de um design genuinamente brasileiro, capaz de absorver e reinterpretar as tradições locais. Para ele, um design nacional só poderia emergir a partir da valorização do fazer artesanal e da incorporação das técnicas populares no desenvolvimento de produtos contemporâneos.


Em entrevista ao jornal O Globo em 1977, Magalhães afirmou:

“Se conseguirmos detectar, ao longo do espaço brasileiro, as atividades artesanais e influir nelas, estaremos criando um design novo, o design brasileiro. Estamos condenados a absorver, bem ou mal, o design dos países mais avançados. Mas um investimento de base no fazer brasileiro poderá alterar muita coisa no universo supersofisticado que importamos.”


A partir dessa perspectiva, Magalhães propôs os conceitos de metadesign e paradesign. O metadesign refere-se à necessidade de compreender o contexto social em um sentido amplo, enquanto o paradesign se baseia na valorização das formas de fazer e atuar de cada grupo social, contribuindo para o fortalecimento da cultura nacional.


A Cultura Visual Brasileira Como Resistência ao Design Genérico


Se o minimalismo busca a universalidade através da redução de elementos gráficos, a cultura brasileira, por sua vez, se manifesta na complexidade, na mistura de cores, nas texturas e nos padrões ornamentais. No design gráfico, isso se traduz em cartazes vibrantes, tipografias experimentais e ilustrações que remetem às artes visuais populares.


Exemplos históricos dessa resistência podem ser encontrados no movimento tropicalista e na identidade gráfica dos anos 1960 e 1970, que desafiaram a estética racionalista imposta pelo modernismo europeu. Designers como Rogério Duarte e Guto Lacaz souberam incorporar elementos da cultura visual brasileira sem comprometer a funcionalidade do design.


Outro exemplo é a estética dos cordéis nordestinos, cujas xilogravuras carregam uma identidade gráfica forte e enraizada na cultura popular. O mesmo pode ser dito dos lambe-lambes urbanos, das capas de discos do movimento Manguebeat e dos cartazes de festivais culturais. Esses elementos visuais preservam e amplificam a identidade local.


A identidade gráfica do Brasil é marcada por um jogo entre ordem e caos, entre geometria e improvisação, entre influências externas e reinvenções locais. No entanto, essa riqueza visual frequentemente é deixada de lado em favor de uma estética “limpa” e neutra, que muitas vezes enfraquece a força narrativa das marcas e produtos brasileiros.


O tema da última edição da Bienal brasileira de Design Gráfico: "Giros – Movimentos que dão voz às nossas histórias, culturas e identidades", tem suas raízes na herança sergipana da tradição do grupo cultural Parafusos. A identidade, a comunicação e o troféu da mostra se inspiraram no rodopio da dança tipica dessa exprssão cultural local para celebrar o design brasileiro.
O tema da última edição da Bienal brasileira de Design Gráfico: "Giros – Movimentos que dão voz às nossas histórias, culturas e identidades", tem suas raízes na herança sergipana da tradição do grupo cultural Parafusos. A identidade, a comunicação e o troféu da mostra se inspiraram no rodopio da dança tipica dessa exprssão cultural local para celebrar o design brasileiro.


Minimalismo e Cultura Podem Coexistir no Design Gráfico?

A solução não está em rejeitar o minimalismo completamente, mas em ressignificá-lo dentro do contexto brasileiro. O design gráfico pode se beneficiar de um minimalismo que não seja sinônimo de apagamento cultural, mas que incorpore de maneira sutil elementos da cultura visual nacional.


Países como Japão e México conseguiram criar abordagens visuais minimalistas que ainda preservam sua identidade cultural. No Japão, o wabi-sabi – uma filosofia estética que valoriza a imperfeição e a assimetria – é incorporado ao design gráfico de forma equilibrada. No México, a identidade visual contemporânea resgata padrões gráficos e cores vibrantes, mantendo sua forte conexão com o artesanato e a tradição gráfica do país.


O Brasil pode seguir um caminho semelhante, desenvolvendo um design gráfico que dialogue com sua própria cultura. Aloisio Magalhães alertava que o design deve evitar a mera importação de tendências sem reflexão. Se o design gráfico brasileiro deseja se destacar no cenário internacional, ele precisa encontrar um equilíbrio entre a clareza visual e a identidade cultural.


A identidade visual brasileira só será plenamente consolidada quando o design gráfico for capaz de assimilar as complexidades culturais do país, sem se submeter a uma estética universalista que ignora sua territorialidade. O minimalismo pode ter seu espaço, mas deve ser reinterpretado para que não signifique o apagamento da identidade visual nacional.


Se o Brasil deseja se destacar no cenário global como um polo de criatividade e inovação, o design precisa se reconectar com a cultura nacional. A valorização da diversidade não é apenas um ato de resistência, mas uma estratégia essencial para construir um design autêntico, relevante e sustentável.

 
 
 

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